O consumo consciente no mercado de moda faz parte de uma mudança de comportamento que se fortalece cada vez mais. Com a pandemia, a conhecida “economia de segunda mão”, ou “second hand”, foi acelerada. As pessoas estão mais preocupadas com o impacto da indústria têxtil no planeta, em especial as novas gerações. De fato, os brechós existem há muitos anos, mas só agora ganhou status de luxo e vem movimentando milhões.
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Sempre ligada nas mudanças de comportamento da sociedade, a Relações Públicas Kaká Marinho mergulhou a fundo nesse mundo do second hand, e por meio do Limonada Vintage Brechó, deu visibilidade a esta nova forma de consumir. Conversamos com ela sobre esse novo mundo, e como o consumo consciente e a economia circular ganhou espaço na sua vida.
“A gente pode, enfim, fazer a moda circular, comprar, desapegar, e garantir um ciclo de vida maior a uma peça. Sem falar na questão do custo. Com peças de brechós você consegue exercer isso aí de uma maneira mais sustentável, tanto para o bolso quanto para o planeta.”
1. A economia circular, o consumo consciente e o second hand são tendências cada vez mais fortes. Quando e como foi pra você perceber esse movimento e entender que precisava segui-lo?
Na verdade eu sempre fui muito ligada a temas relacionados ao meio ambiente. Desde criança isso era uma preocupação e foi ficando cada vez mais forte à medida que eu cursei turismo e ganhei ainda mais consciência a respeito da importância de cuidarmos do nosso meio. Sentia a necessidade de fazer alguma coisa a respeito, nem que fosse com relação aos meus próprios hábitos. Em relação à moda, quando eu era pequena eu adorava trocar roupa com as minhas amigas, fazia isso sempre. Mas sou de uma geração que tinha preconceito por repetir roupa, e nunca entendi muito bem isso, porque na cabeça das pessoas as roupas eram vistas como algo tão descartável. Então sempre “precisávamos” estar de roupa nova em eventos especiais, e aí você cresce, começa a pegar roupa emprestada das amigas, e fazer aquela roupa circular. Também passei a ter contato com alguns brechós, principalmente quando viajava para fora do país. Eu achava aquilo super bacana, descolado, e via o quanto existiam outras possibilidades, outros caminhos que poderiam ser seguidos. Então, realmente eu nunca tive preconceito, pelo contrário, eu sempre achei extremamente estimulante a gente poder se expressar através das mil e uma possibilidades que a moda oferece e com o brechó isso se torna ainda mais acessível. A gente pode, enfim, fazer a moda circular, comprar, desapegar, e garantir um ciclo de vida maior a uma peça. Sem falar na questão do custo. Com peças de brechós você consegue exercer isso aí de uma maneira mais sustentável, tanto para o bolso quanto para o planeta.
2. De onde surgiu a ideia de montar o Limonada Vintage Brechó ?
Logo no comecinho da pandemia eu criei um perfil no Instagram, que inicialmente se chamava “Brechó da Kakazita”, para expor os meus desapegos pessoais em prol do Lar Frei José. Nessa fase, toda a renda revertida para as atividades da instituição, porque os lares de idosos foram fortemente impactados pela pandemia. Eu coloquei muita coisa minha à venda e juntei cerca de R$ 10 mil reais para o lar, em um período de uns dois, três meses. Conforme eu fui divulgando, algumas pessoas e algumas empresas doaram suas peças e isso ajudou também nesse montante de valor arrecadado. Até que chegou um momento que eu realmente não tava dando conta de levar esse projeto sozinha e de uma maneira 100% beneficente, porque ele tinha virado um trabalho, que estava me consumindo em tempo integral, porque eu mesma fotografava a peça em casa de uma maneira bem caseira, postava, colocava preço, negociava por direct, embalava, levava na casa da pessoa. Tudo sozinha. Com o tempo que o projeto foi crescendo, contratei motoboy, passei a cobrar pelas entregas e chegou um hora que ficou insustentável, ou eu fazia disso um negócio, ou eu não ia ter como levar à frente. Foi aí que nasceu o Limonada. O “Brechó da Kakazita” virou uma marca, o Limonada. Ainda continuo destinando uma parte do valor para o Frei José e outras instituições. Para deixar tudo claro, fiz um vídeo explicando essa migração para as seguidoras, clientes e fornecedores, e a ideia foi muito bem aceita, então transformei o perfil do “Brechó da Kakazita” em Limonada e ele ficou funcionando de maneira on-line até setembro do ano passado.
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3- Quais as maiores dificuldades em empreender nesse ramo da segunda mão?
Para mim, é a falta de consciência das pessoas sobre o que é a moda circular, sobre a importância da moda circular, e também o preconceito. Eu me surpreendo nesse sentido, porque tenho clientes de todas as classes sociais. Algumas com muita grana, que moram em lugares super nobres, viajam todo ano, e que são super adeptas das práticas sustentáveis, amam brechó e que até fornecem peças para mim. Enquanto outras pessoas não compreendem direito, não curtem, porque acham que a peça pode ter a energia da antiga dona, que por estar comprando em brechó, isso é sinal de que não tem condições de comprar em uma loja “normal”. Eu acredito que eu, como empreendedora, tenho essa função de desmistificar, de gerar conversas, meio que de educar o mercado, principalmente em Alagoas, abrir essas portas, dar a mão a outras pessoas que estão nesse movimento. é preciso se unir para que o mercado possa se abrir ainda mais, quanto para as pessoas irem entendendo que aquilo é um movimento bacana, que é totalmente necessário, que reflete também um estilo de vida.
4- Você vem de uma geração onde o consumo sempre foi muito forte, principalmente na moda. Você foi pioneira como blogueira em Alagoas e lidava diretamente com isso. Quando aconteceu a sua mudança de mindset?
Eu reconheço em mim, não sei se diria que é uma habilidade, um dom, ou uma característica, que é ser muito vanguardista, e isso às vezes é bom, e às vezes nem tanto. Eu fui a primeira blogueira de moda em Alagoas, a primeira a fazer festas alternativas, a primeira a lançar o stylelife/refresh, que é agência de relações públicas focada no marketing de experiência e, agora, o Limonada, que apesar de ser mais um brechó aqui, tem ganhado muito espaço e um destaque grande. Mas dar esses passos à frente às vezes é ruim porque eu me apego a algo e já quero fazer algo que não é a hora. É como se o que eu quisesse fazer fosse muito adiantado para o timing. Mas eu tenho certeza de que o brechó veio para ficar, o consumo consciente, second hand, a moda circular… A mudança de mindset eu não sei dizer quando aconteceu, acho que foi tudo uma construção, uma evolução natural.
5- Lojas como o Enjoei, e a própria Gringa, que foi vendida recentemente por R$14 milhões, mostram o poder desse segmento hoje na moda. Qual seu maior sonho com o Limonada?
Quando eu era blogueira gostava muito de dar dicas do que era bacana, de bom gosto e do que era também acessível, que tivesse bom custo benefício. Eu parei de ser blogueira em uma época em que aquilo não estava me preenchendo mais. Com o Instagram, eu comecei a apostar em outras coisas, fui vendo que o mercado precisava de outros serviços, porque às vezes eu era contratada por uma marca, uma loja, e eu percebia que a loja precisava de um serviço de comunicação muito mais abrangente, então passei a oferecer eventos, ações relacionadas a marketing de experiência… Com o Limonada, é diferente. Como ele é um projeto 100% meu, eu consigo me expressar e fazer as coisas do jeito que eu acredito, que eu gosto, e até fazer ações e experiência com ele. É engraçado responder essa pergunta porque a sensação que eu tenho é que o Limonada é livre. Ele começou on-line, passou uma temporada de dois meses no shopping, a convite do próprio Parque Shopping, e depois eu não quis voltar só para o on-line, fui para outro ponto. Hoje, meu maior sonho com o Limonada é ter vários Limonadas pelo mundo. E acredite, já recebemos uma proposta de um empresário gaúcho para franquear o Limonada quando ele não tinha nem um mês. Fiquei assustada.
6- Dê 3 dicas para quem quer empreender no ramo.
1 – Tem que amar o universo do brechó. Eu não consigo enxergar a verdade em quem quer abrir brechó só porque vai ser tendência, ou é cool.. o brechó precisa passar verdade porque ele não é apenas um negócio, ele deve refletir o estilo de vida de quem está por trás dele e do público que quer atingir. Então assim, a pessoa tem que realmente amar. E o trabalho no dia a dia, principalmente no começo, é bem grande. Fazer curadoria, precificar, entrar em contato com fornecedores, postar, divulgar, responder clientes… a pessoa faz tudo no começo. Ao mesmo tempo é interessante porque você pode começar com zero reais, com o que tem no próprio guarda roupa.
2 – Esteja pronta para ser dona do brechó. Tem que encarar, vestir a camisa porque ainda existe muito preconceito, olhar troncho. Apesar de grandes marcas estarem de olho, ainda existe uma certa resistência das pessoas. Então assim, quem quer realmente encarar isso tem que saber peitar, vai ter que saber driblar e ter consciência que vai ser um educador.
3 – Esteja atenta ao mercado. Ao que está se falando, ao que as pessoas estão querendo consumir e também procurar compreender a persona que é seu cliente, o que ele procura, deseja, desde as motivações, o que faz ele comprar em brechó, até o tipo de peça que ele mais procura. Com essas informações, o empresário tem que buscar trazer o melhor para o cliente e óbvio, sem perder a essência do brechó.