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Entrevista Lara Rocha: inclusão das pessoas com autismo na sociedade

By 4 de novembro de 2021Blog, Entrevista

O mundo é um ambiente plural e precisa ser inclusivo. Por isso, alguns mercados estão fazendo movimentos para englobar outros públicos e necessidades, seja através do design, de movimentos sociais ou de produtos e serviços inovadores. O objetivo agora é atender essas necessidades de consumo emergentes que exige atenção. Essa semana, aqui no blog, trouxemos as inovações desenvolvidas para pessoas com autismo. Para entender o contexto da pessoa que vive com autismo, entrevistamos a Lara Rocha, estudante de psicopedagogia e mãe do Anthony.

“Tá na hora de acabarmos com esse discurso romantizado que ‘o autista vive num mundo só dele’, o mundo do autista é o mesmo que o nosso, e eles precisam ter seus direitos respeitados e todas as adequações que forem necessárias para que vivam com dignidade, assim como é o desejo de qualquer outro ser humano.” 

1 – Como foi o diagnóstico do Anthony?

Anthony tem 8 anos, e foi diagnosticado com autismo aos 3. Costumo dizer que vivo num eterno “mergulhando de cabeça no desconhecido”, não há sequer um dia onde não tenha algo novo para ser desafiado, descoberto ou compartilhado. É cansativo, é solitário, mas seguir firme já nem é mais uma opção, é nossa única escolha.

2 – Quais são as principais dificuldades que vocês enfrentam em locais públicos?

O autismo é primeiramente uma limitação intelectual, o que já é o bastante para entender que as maiores dificuldades do dia a dia estão relacionadas ao convívio social e lugares públicos. Levando em consideração que cada pessoa com autismo tem suas limitações e a gravidade pode variar amplamente, quero falar especificamente sobre minha experiência de como é conviver integralmente com uma pessoa com autismo. Locais públicos são desafios, as pessoas esperam que toda deficiência seja algo visível, se não é, os julgamentos e olhares já começam a surgir. Nunca é uma crise sensorial, sempre é birra, funciona assim para sociedade. Gente demais? Barulho demais? Filas? Tudo que envolve esse tipo de atividade é um desafio para mim e para o Anthony. Está na hora de acabarmos com esse discurso romantizado que “o autista vive num mundo só dele”, o mundo do autista é o mesmo que o nosso, e eles precisam ter seus direitos respeitados e todas as adequações que forem necessárias para que vivam com dignidade, assim como é o desejo de qualquer outro ser humano. Oito anos atrás eu não sabia praticamente nada sobre autismo, por um único motivo: eu não precisava saber nada sobre autismo. Hoje, sigo na área da educação, especificamente na educação inclusiva por um único motivo: eu não preciso saber nada sobre autismo, EU QUERO saber sobre autismo. Se hoje eu faço parte de lutas inclusivas é porque eu sei de perto como é, mas não é uma regra, ninguém precisa ter um caso específico ao lado para poder dar o primeiro passo e se inteirar sobre o assunto, apenas reconheça seu papel na sociedade e comece hoje mesmo a fazer o mínimo para lutar por uma sociedade mais inclusiva, menos preconceituosa e capacitista.

3 – Em ambientes como restaurantes, cinemas, lanchonetes, entre outros serviços, existem modificações físicas ou comportamentais que podem ser feitas pelo local para que o Anthony sinta-se mais confortável e seguro?

É muito doloroso que muitas vezes deixamos de fazer alguma atividade recreativa por medo, algumas vezes entendemos que se trata de uma limitação sensorial do Anthony e obrigá-lo a tentar pode ser cruel, mas também entendemos que algumas coisas podem ser mudadas ou incluídas. Cinema por exemplo, algo que parece tão simples no cotidiano das famílias, mas que para uma pessoa com autismo pode ser desafiador e estressante. O som é alto demais, os filmes exigem concentração e o espaço junto com a baixa iluminação causam uma sensação de sufocamento e logo causa uma crise e desorganização sensorial, e mais uma vezes eles: os “olhares julgadores” daqueles que estão na sessão e não entendem muito bem, nem procuram o mínimo para isso.
Muitas vezes alguns shoppings abrem algumas sessões adaptadas uma vez no ano somente, o que é muito injusto e só reforça o quanto é solitário tentar incluir uma pessoa com autismo em recreações tão simples. Uma sala de cinema com luzes acesas, volume mais baixo ou até, aqueles que preferirem, usar fones de ouvido. Uma sala mais clara tira aquela sensação de sufocamento e deixa o ambiente mais aberto, com um ar mais livre; o volume mais baixo para aqueles que têm inquietação com o barulho; e o mais importante, a sensação de conforto dos responsáveis que não estarão preocupados com olhares ou julgamentos. São inovações simples e que diante de inúmeras salas de cinema que existem num único shopping, seria muito simples adaptar no mínimo uma sala. 

Outra questão importante é a seletividade alimentar das pessoas com autismo. Isso pode incluir a recusa por certos tipos de alimentos, um repertório restrito ou até mesmo uma preferência exclusiva por apenas um tipo de alimento. Acompanho mães que sofrem constantemente com a seletividade alimentar dos filhos, muitas vezes deixam de sair para algum restaurante por saber que não terá nada acessível ou que não tem a compreensão necessária para tornar alguns pratos que no local são servidos devidamente acessíveis. Numa pizzaria, por exemplo, poderiam não questionar com tanta rispidez se o pedido é somente da massa, ou somente da massa com molho de tomate, ou inúmeras combinações não tradicionais. Se estamos no estabelecimento é mais “fácil” explicar o motivo do pedido atípico, porém quando se trata se delivery nem sempre essa necessidade é atendida, a comunicação é precária, muitas vezes não existe a opção de montagem separada ou é obrigatória a função de escolher certos acompanhamentos. Uma vez que o pedido é feito, vem o protocolo de tentar entrar em contato com o estabelecimento e explicar que  o pedido é totalmente diferente do que foi enviado. 

Existem formas simples e acolhedoras de lidar com situações desse tipo em qualquer estabelecimento, seletividade alimentar pode parecer algo irrelevante mas a hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos, como texturas, cheiros, temperaturas ou cores tem grande impacto na decisão de uma criança de comer ou não, pode ocorrer seletividade ou até mesmo a aversão alimentar. Crianças com autismo são realmente seletivas e rigorosas com o que comem e este comportamento cria grandes problemas na dieta da criança, muitas vezes a aversão de experimentar alimentos novos dura um tempo grande, precisamos apenas de lugares que respeitem a seletividade alimentar de pessoas com autismo, acrescentando ou criando em seu cardápio novas formas de combinações dos alimentos, tornando assim uma opção confortável para aqueles que possuem suas seletividades ou inovando criando cardápios mais variados e chamativos, dando assim chances de novas combinações chamando atenção da criança para novas oportunidades alimentares. 

Acompanhe a rotina do Anthony e da Lara através do perfil do Instagram @alemdoautismo_